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quarta-feira, 15 de junho de 2011

A SEPARAÇAO DE CORPOS E A EMENDA 66/10.

Uma questão relevante que surgiu durante os estudos relacionados à Emenda 66/2010 refere-se a separação de corpos. Com a promulgação da Emenda,  a separação de corpos deixou de existir?

E a resposta para tal questão é negativa. A separação de corpos não deixou de existir em nosso ordenamento jurídico. Mesmo com o fim da separação judicial, a separação de corpos não foi extirpada do nosso ordenamento e continua válida e aplicável.

Na verdade, a medida cautelar de separação de corpos tem uma autonomia muito relevante, ao ponto de hoje se falar até que ela não está vinculada obrigatoriamente a uma ação principal no prazo que o CPC estabelece para a perda de sua eficácia.

Como alerta o Prof. Pablo Stolze, essa autonomia é tão importante, que até na União Estável ela é manejada e aceita pelos juízes.

Ademais, embora a separação judicial tenha desaparecido de nosso sistema, os deveres matrimoniais não desapareceram. Vamos explicar.
 
O artigo 1.566 do Código Civil elenca os deveres matrimoniais: dever de respeito, de assistência recíproca, dever de guarda, sustento e educação dos filhos, o dever de fidelidade, o dever de coabitação.

Esses deveres matrimoniais não desaparecem com a Emenda 66/10, notadamente, o dever de coabitação. E é esse dever de coabitação que é atacado pela medida cautelar de separação de corpos, ainda que muitos desconheçam esse fato.

Quando se propõe uma ação de separação de corpos, tanto pode ser requerido o afastamento do cônjuge , quanto um pedido de autorização da autora para deixar o lar conjugal para evitar que se alegue abandono do lar (ainda que isso não atinja o direito patrimonial do casal).

Logo, o pedido essencial da separação de corpos é suspender temporariamente o dever de coabitação.

Nesse passo, por exemplo, quando a esposa está sendo agredida pelo marido, ela intenta pedido de separação de corpos, antes mesmo de pedir o divórcio, sem qualquer problema, visando suspender o dever de coabitação enquanto a sentença de divórcio não é proferida.

Entendam então que, indiscutivelmente, a cautelar de separação de corpos continua em vigor, sem qualquer óbice para sua propositura, por uma razão simples: ela visa suspender, ainda que temporariamente, até a decisão final do divórcio, o dever de coabitação entre os cônjuges e os deveres do casamento que não foram extintos.


DEVER DE COABITAÇÃO - BREVES CONSIDERAÇÕES


Cumpre-nos, já que falamos do assunto, fazer algumas considerações quanto ao dever de coabitação, que tanto preocupa a doutrina brasileira, desde Washington de Barros Monteiro, até aos autores mais modernos como Maria Berenice Dias, pois, há tempos, a doutrina discute o que se entende por dever de coabitação.

Primeiro, temos que o dever de coabitação remete-nos a idéia de que os cônjuges devem morar no mesmo lar conjugal.

Porém, nada impede que, por decisão conjunta, os cônjuges morem em casas separadas ou, por razões profissionais, também assim decidam viver. Mas, entendam que fora situações justificáveis, não pode haver o abandono do lar, como bem sabemos.

Logo, temos como idéia geral que, não havendo razão justificável ou uma decisão conjunta, o casal deve morar, deve coabitar, sob o mesmo teto.

Ocorre que, a doutrina, quando interpreta o dever de coabitação, também dele extrai o chamado debitum conjugale, e isso é um problema muito sério. E por quê? O debitum conjugale seria um desdobramento do dever de coabitação, de maneira que, se a pessoa é casada existiria como um dos deveres do casamento a prestação sexual.

Obviamente que isso não pode ser chamado de obrigatório, em sentido estrito. Decisão conjunta do casal ou razões de saúde pode impedir a conjunção sexual. Mas fora estas situações, a conseqüência natural do casamento é a prestação sexual e a doutrina lê o dever de coabitação também como um dever de prestação sexual.

Nesse sentido, deferida a medida cautelar de separação de corpos, uma vez que esta suspende o dever de coabitação, o debitum conjugale também estaria suspenso. E nessa esteira, surge uma questão bastante delicada.

Os autores tradicionais diziam que esse de dever de coabitação incluía obrigatoriamente um dever sexual.

Porém, a doutrina moderna, a exemplo da Prof. Maria Berenice Dias discorda desse entendimento de que haveria um dever sexual, porque entendem os autores modernos que na perspectiva da defesa dos direitos da personalidade, seria um contra senso considerar-se uma obrigação o ato sexual, o que é um argumento bastante interessante.

A ponderação que se faz é que em geral, os autores criticam a expressão debitum conjugale até com alguma razão, mas, não dizem o que ele seria, dizendo apenas que haver uma obrigação sexual é impor um desrespeito ao afeto, mas não diziam que enquadramento jurídico o debitum conjugale teria.

Parece-nos razoável entender como absurdo que o debitum conjugale seja mera obrigação jurídica, por que se assim entendermos, como uma obrigação técnica, tradicional, como é que haveria uma execução específica do debitum conjugale, que é uma das mais profundas expressões de amor, que é a relação sexual. Como seria a execução: multa diária? Penalidades por inadimplemento?

É impensável imaginar-se o ato da relação afetiva sexual como um dever comum, ao mesmo tempo em que não nos parece certo concluir que numa situação de normalidade da relação o casal tenha vivenciado a hipótese em que um deles se negue ao ato injustificadamente, embora a negativa não justifique agressão, não justifique cobrança coativa, mas, poderão existir conseqüências dessa negativa.

Como assim? Se a esposa, sem razão aparente, nega-se ao ato sexual, que é uma conseqüência natural do casamento, isso pode gerar até mesmo o descasamento.

Então, mesmo que se defenda que o debitum conjugale não deva ser considerada uma obrigação civil, fiquem atentos que a despeito de não se enquadrar como obrigação é um efeito do casamento, cujo descumprimento para gerar conseqüências jurídicas.

Vamos exemplificar para melhor ilustrar a situação.

Jurisprudência do TJ/RS. O julgado abaixo ilustra bem que, embora o debitum conjugale não deve ser enquadrado como uma obrigação civil típica, o descumprimento deste efeito do casamento pode gerar conseqüências jurídicas.

“A existência de relacionamento sexual entre cônjuges é normal no casamento, é o esperado, previsível. O sexo dentro do casamento faz parte dos usos e costumes de nossa sociedade. Quem casa tem uma lúcida e legitima expectativa de que após o casamento manterá conjunção carnal com o cônjuge. Quando o outro cônjuge não tem e nunca teve a intenção de manter conjunção carnal após o casamento, mas não informa e nem exterioriza essa intenção antes do matrimônio, ocorre uma desarrazoada frustração de uma legítima expectativa”. (Apelação Civil 70016807315, relator Desemb. Rui Porta Nova).
Nota-se nesse julgado que os desembargadores anularam o casamento por ausência do cumprimento do efeito do casamentodebitum conjugale, ou seja, o descumprimento do efeito gerou conseqüências, que neste caso, foi a anulação do casamento.

Se o juiz verifica que isso ocorreu depois de um casamento válido, isso caracteriza também um desamor, que justificaria um pedido de divórcio.

Imaginem essa situação: a esposa diz ao marido que não vai mais ter relações sexuais com ele e que ele também não pode ter relações com mais ninguém. Ele terá duas opões nesse caso: ou ele aceita isso e conjuntamente o casal determina um celibato entre eles, o que deve ser respeitado, ou ele pode dizer que não aceita viver assim e que pedirá o divórcio.

Isso demonstra a evolução do nosso direito de família. No passado, ele teria que pedir uma separação, apontando a culpa da esposa para primeiro separar-se dela e somente após o prazo de 01 ano do transito em julgado da decisão poderia pedir o divórcio. Hoje não. Ele pode apenas pedir o divórcio, indicando somente o desamor como causa para o decreto de descasamento.

Essa é a consagração da Emenda 66/2010 que vai de encontro com o anseio de muitas pessoas que sofreram com o divórcio e que sofreram as burocracias do direito brasileiro.

Mas não pensem que são estes os únicos problemas. Com a emenda 66/10 existem outros efeitos de ordem pratica, complicados de serem resolvidos.

Por exemplo: a emenda toca a questão do regime de bens? Ela toca a questão dos alimentos e em que medida? Como fica o uso do nome após a emenda? Como fica a situação das pessoas separadas judicialmente a partir da emenda? Como ficam os processos de separação que estão em curso, na medida em que a emenda suprime a separação judicial?

Como fica a questão pratica processual e procedimental a respeito da Emenda? E ainda, uma questão mais delicada ainda, como fica a questão dos direitos dos filhos após a Emenda do divórcio? É que o veremos nos próximos posts! Até lá.!!..


 

5 comentários:

  1. Na separação de corpos, como fica o art. 1.703 do Código Civil? A separação de corpos rompe o vínculo matrimonial?

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    1. Bom dia! O artigo 1703 do Código Civil diz que para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.
      Considerando a alteração constitucional acerca do divórcio no Brasil, introduzida pela Emenda 66/10, é certo que onde se lia “separação judicial” deve-se ler separação de corpos ou divórcio.
      Destaca-se ainda o entendimento jurisprudencial que empresta e a separação de corpos todos os efeitos do término da sociedade conjugal, rompendo com os deveres conjugais e colocando fim ao regime de bens.
      No que se refere aos filhos, não me parece relevante a forma como se deu a separação dos pais, eis que o sustento da prole compete aos genitores, independente da relação havida entre as partes e que os originou. A separação de corpos não coloca fim ao dever de sustento da prole prevista no art. 1566 do Código Civil.
      Portanto, salvo melhor juízo, faço a leitura do art. 1703 aliado ao art. 1566 do CC, entendendo que independente da forma de separação, devem os cônjuges contribuir com o sustento de seus filhos. Um abraço

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  2. Excelente explicação sobre o tema, trouxe as respostas a todas as duvidas que poderiam surgir sobre o tema.

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  3. A separação de corpos é um tipo de conversão de divórcio?

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