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segunda-feira, 13 de junho de 2011

DO FIM DA DISCUSSÃO DA CULPA NO DIVÓRCIO

Conforme mencionados nos textos anteriores, a Emenda 66 de 2010 trouxe uma revolução muito maior do que apenas suprir prazos para o divórcio ou extirpar a separação judicial do texto constitucional pois, com sua promulgação, temos o fim da discussão da culpa nos processos de divórcio.

Caros leitores, já se questionaram alguma vez sobre de quem é a culpa pelo fim de um relacionamento amoroso? Essa pergunta é crucial e é claro que a experiência de vida de cada um é que interfere na sua conclusão.

O Prof. Pablo Stolze menciona que para que se entenda bem o direito de família, é preciso que tenhamos amado e que tenhamos sofrido por amor.

Essa discussão se faz importante em nossos estudos, justamente por cuidar do conteúdo da Emenda 66 de 2010. No momento em que pautamos nossa linha de raciocínio com a supressão da separação judicial é preciso que discutamos agora se os fundamentos culposos que eram consagrados na separação judicial continuam em vigor em nosso sistema.

E novamente a maior pergunta é: será que existe um único culpado pelo fim de um casamento? Será que com o tempo não temos a humildade de reconhecer que, de certa forma, cada um colabora com sua parcela de culpa? Será que o juiz teria que adentrar nessa discussão do casal para buscar um culpado? É papel de o juiz fazer isso? Não estaria o magistrado desrespeitando o princípio da intervenção mínima do direito de família ao tentar dizer quem foi o culpado pelo fim do matrimônio?

A Profª. Maria Berenice Dias, em sua obra “O Direito das Famílias” leciona que a indicação de causas, de forma tarifada, já era taxada de no mínimo, retrógrada, pelo fato de o CC de 2002 haver copiado o que dispunha o CC de 1916, opinião com a qual concordamos pois, não há como delegar ao juiz o encargo de avaliar se determinada atitude torna o convívio entre o casal insuportável e inviável.

Será que são fatos descritos na lei que tornam o convívio inviável ou será que isso não é reflexo do agir entre os cônjuges que acaba com amor e o convívio saudável de ambos?

Como sabemos as normas da separação judicial no Brasil utilizavam a culpa como vetor do decreto de separação litigiosa.

Verificando o Código Civil e analisando essas normas que, repita-se, entendemos revogadas, assim como a melhor doutrina aqui já citada, veremos que se estabelece a separação litigiosa e quando assim o Código estabelece, na dicção da Lei, a referência feito no artigo 1572 do CC é: qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento, e torne insuportável a vida em comum.

Ou seja, para o casal se separar antes da Emenda 66, era preciso demonstrar que o outro realizou uma conduta culposa violadora de deveres matrimoniais, conforme exemplificação do Código, sevícia, adultério, tentativa de morte, etc (artigo 1.573 do CC) .

Porém, acreditamos que os senhores já tenham se deparado com a seguinte pergunta de seus clientes: Dr. (a) é verdade que para se separar é necessário imputar culpa ao outro? Não basta eu não amar mais meu marido, ou minha esposa? Essa é uma daquelas perguntas que nos fazem refletir e pensar, com justiça, o direito de família.

Parem e pensem: exigir a demonstração de culpa na separação, além de ser uma matéria que exige do juiz poderes divinos que ele não tem, traz a baila um tipo de investigação impossível de ser levado a cabo, e mais, nos coloca num paradoxo insuperável: é mesmo necessário demonstrar culpa, não basta o fim do afeto entre o casal?

Logo, no momento em que a Emenda 66/2010 suprime a separação judicial de nosso ordenamento jurídico, a interpretação da mesma deve acompanhar a mais moderna doutrina brasileira, na medida em que os fundamentos de culpa que havia no sistema da separação judicial logicamente desaparecem.

Vejam: se a culpa está inserida dentro da separação judicial e a separação judicial é banida do nosso sistema, a tendência é que a culpa não seja mais discutida obrigatoriamente no juízo de família para que as pessoas possam se descasar e seguir os seus caminhos de vida.

Essa é uma tendência que já existia na doutrina brasileira e mesmo para aqueles que sustentem a mantença da separação, o que é, com todo respeito, um raciocínio equivocado, por tudo que nós já estudamos até aqui, não há qualquer sentido se impor discussão de culpa no juízo de família.

Segundo alguns doutrinadores, tais como Leonardo Barreto, Nanir Samur, Fernando Sartori, pegando por base, Nanir Samur, na esteira da melhor doutrina brasileira, outra não poderia ser a conclusão de que não há mais qualquer sentido em se buscar a existência de um culpado pelo fim do casamento.

Imaginem-se juízes de um processo de família, diante do casal que se apresenta na audiência. Que poderes você tem, como magistrado, para questionar a culpa pelo fim daquele casamento? Que poderes tem o juiz de voltar no tempo e adentrar na ambiência em que vivia aquele casal que teve o matrimônio falido e que precisa seguir, portanto novos caminhos de vida?

Por certo alguns poderiam alegar que, em alguns casos, poderia haver, por exemplo, uma traição. Mas, ainda que assim o seja, o traidor pode ser considerado sem dúvidas o único culpado pelo fim do casamento? Não sabemos o ambiente em que eles viviam. O juiz pode ter certeza que o outro não provocou a falência do sentimento? E se houve algo muito mais grave do que uma traição ou violência física que é o abandono emocional, o abandono espiritual? De quem é a culpa do fim do relacionamento caros leitores?

Isso somente a consciência de cada um poderá dizer e na medida em que a Emenda 66/10 suprime a separação judicial do nosso sistema, consagrando apenas o divorcio sem fixação de prazo, a culpa que era requisito ou condicionante da separação desaparece também, conforme a melhor interpretação doutrinária.

Exemplificando: no caso dos alimentos, dos quais trataremos em breve, estes eram fixados com base na culpa, na medida em que o culpado pagava alimentos ao inocente.

Mas, quantas vezes os senhores conseguiram se valer dessa norma arcaica do Código Civil em suas vidas profissionais? Eu posso não advogar há tanto tempo como muitos dos colegas que estão apreciando este material mas, desde o início de meus estudos, estágios e tempo de advocacia, eu não vi nenhuma sentença onde o juiz fixou a culpa de um dos cônjuges e o condenou aos alimentos em favor do chamado inocente.

Por isso, em nossa ótica profissional, a discussão da culpa não tem sentido no juízo de família, na medida em que, no caso dos alimentos, a fixação não deve levar por base o elemento culpa, mas sim o elemento proporcionalidade do binômio necessidade/possibilidade. Paga quem pode àquele que necessita.

Essa questão da discussão da culpa na teoria pode parecer fácil, mas, na prática, coloca os profissionais do direito numa investigação impossível de ser realizada quase que desrespeitando a ambiência de vida daquele casal. Além disso, nos parece desnecessário apontar o culpado na separação para efeitos de fixar alimentos porque na maioria dos casos as separações se convertem em separação consensual.

E na minoria faltante dos processos em que não há acordo? Bem, em nossa minha opinião, para que se defina um decreto de separação, não é necessário tentar dizer quem é o culpado pelo fim do relacionamento, não é necessário que o juiz diga que separa o casal porque João bateu em Maria, não é necessário que o juiz diga que separa o casal porque Pedro seviciava Joana, porque para o magistrado tem que bastar o argumento de que aquele casal não se ama mais.

Percebam, portanto, a revolução do julgado da lavra do Ministro Rui Rosado de Aguiar, que se contentou, de acordo com a melhor doutrina do país, com o desamor para efeito do decreto de separação, ou até mesmo de divórcio. E a jurisprudência brasileira, mesmo antes da Emenda 66/10, como referência citamos o TJ do Rio Grande do Sul, onde citamos a relatora Profª. Maria Berenice Dias, então desembargadora, que diz que já se encontra sedimentado o entendimento de que a caracterização da culpa na separação mostra-se descabida, uma vez que seu reconhecimento não implica em nenhuma seqüela de ordem prática (Apelação n. 70021725817).

A crítica que fazemos à discussão da culpa parte, primeiro, da natural dificuldade em se dizer quem é o culpado pelo fim do relacionamento, porque de nada adianta você defender uma idéia que só tem apelo acadêmico e retórico. Precisamos defender como operadores do Direito, idéias que tenham um apelo prático e de eficácia social.

Segundo, porque, a grande maioria dos procedimentos de separação são convertidos em amigável, em acordos lavrados em juízo, onde a discussão da culpa também se esvazia. E mesmo para aqueles em que não há solução consensual, o juiz, para efeito de se decretar a separação ou divórcio, juntamente com seus efeitos colaterais, não deve e nem precisa investigar culpa porque o desamor é o fundamento suficiente para esse provimento jurisdicional.

Certo é que para alguns a culpa ainda deve ser discutida, porque haveria situações de injustiça caso a culpa não fosse analisada em juízo. Mas não podemos analisar uma idéia num campo de uma regra geral, de acordo com situações excepcionais.

Se por ventura existir uma ação em que há situação de uma flagrante injustiça, por exemplo, onde se quer que o culpado numa separação pague alimentos ao inocente, porque a inocência não foi completa, porque foi uma culpa parcial (veja como a culpa é questão complexa), lembramos que a jurisprudência brasileira tem se desenvolvido para admitir ações de responsabilidade civil no campo da relação afetiva.

Em suma, se por ventura, a parte descobrir que seu esposo foi infiel, e o provimento jurisdicional determinou que ela pague alimentos a ele por conta da necessidade, sem defender a infidelidade, até porque a dor de uma traição é cruel, a parte traída pode ingressar com ação de responsabilidade civil para pleitear indenização em face do infiel, que violando direito da personalidade, cometeu então, o adultério.

Nada impede que o traído proponha essa demanda, sem confundir a discussão dessa indenização por dano moral com o pagamento de uma pensão alimentícia que tem fundamento no casamento e não na análise da culpa.

Porque, como já dissemos, mesmo que haja a questão da infidelidade, dizer quem é o culpado pelo fim do relacionamento é algo de complexa dificuldade. O Profº. Pablo Stolze ressalta que, como já dizia Machado de Assis na obra “Dom Casmurro”: realmente houve a traição de Capitu? E em tendo havido, será fácil o marido dela, traído, argumentar que não deveria pagar alimentos a ela porque ela foi infiel?

Tudo isso nos leva a uma reflexão: alguns autores quando levantam a culpa dizendo que temos que discutir a culpa porque é injusto o marido traído, inocente, pagar alimentos a esposa culpada porque ela é necessitada.

Essa é uma situação que no papel e na retórica é muito fácil de defender, mas, na prática, a conclusão da culpa exclusiva de um dos cônjuges é uma tarefa que humildemente reconheço que seja difícil, pois parte de uma premissa de uma investigação impossível de ser realizada na prática.

O moderno direito de família, portanto, não deve mais admitir a discussão da culpa pelo fim do relacionamento para que se decrete o divórcio do casal. O moderno direito de família, caros leitores, compreendam isso, contenta-se em dizer que o desamor justifica o fim do relacionamento.

E quanto aos aspectos colaterais, como os alimentos, a culpa uma vez que não foi discutida para efeitos do descasamento, também não deve ser discutida para efeito dos alimentos, que deve tomar por base a necessidade do cônjuge. Caso algum deles tenha sido vítima de um dano moral, poderá pleitear uma indenização pela via ordinária, sem confundir a relação de alimentos que tem base na relação matrimonial com uma discussão de culpa que nem mesmo no campo da responsabilidade civil hoje tem recebido muitos aplausos.

Portanto, conforme a mais abalizada doutrina, no momento em que a Emenda 66/10 coloca por terra a separação judicial em nosso sistema, o fundamento da culpa vai junto com a separação, uma vez que essa doutrina entende que o desamor justifica o fim do relacionamento e o decreto de divórcio.

Pensem nisso e lembrem-se dos diversos processos que já passaram pelas mãos de cada um dos senhores e se pergunte em qual deles ou em quantos desses processos vocês tiveram certeza absoluta de quem foi o único culpado pelo fim de um relacionamento.

Essa emenda então, numa revolução silenciosa, como se refere o Prof. Pablo Stolze, tende a consolidar a linha de raciocínio já manifestada pela jurisprudência no sentido do banimento da culpa no juízo de família, na medida em que com o fim da separação judicial o fundamento da culpa que era discutido nos artigos da separação, sobretudo no artigo 1572 do CC, desaparece do sistema brasileiro.

Na prática, o que devemos questionar ao casal, sem maiores delongas é se eles se gostam. Se a resposta for negativa, de qualquer das partes, o desamor é suficiente para que se requeira o decreto jurisdicional do divórcio dos dois para que sigam suas vidas. Se não há amor entre o casal, o que mais queremos discutir para que eles possam seguir seus caminhos de vida separados? Que sentido há em ficar discutindo culpa dentro do processo? Há que se ter culpa por não amar mais um ao outro?

Sabemos que trabalhar com processos que envolvem o Direito de Família é sempre bastante complicado e envolve grande responsabilidade do advogado que, sem dúvida, é o primeiro juiz da causa. É difícil também para os promotores de justiça, para os defensores, para os juízes, para os notários.

Não podemos esquecer que as pessoas que procuram os escritórios, os fóruns, os tabelionatos, acham que seus problemas são os maiores e os únicos do mundo. E nós temos que tratá-los como se realmente assim o fosse. Para nós pode ser mais um processo, mas, para eles, é o problema da vida deles e o de maior importância no mundo.

Logo, o novo direito de família vem nos desamarrar enquanto operadores do direito e desamarrar também os casais que desejam se divorciar, porque não pode o legislador exigir fundamentos que não se pode dar ao juiz. O novo direito de família não se exaure mais na idéia de que pra se divorciar terá o casal que demonstrar culpa.

Portanto, a partir da aprovação da Emenda Constitucional 66 de 2010, não se discutirá culpa para fins de obtenção do provimento de divórcio. Para o divórcio é suficiente o desamor.

Na sequência de nossos posts, vamos tratar do divorcio como direito potestativo da parte, independente de prazos...até lá!...

Não esqueçam da importância de estudar a doutrina sobre o assunto e a jurisprudência de nossos Tribunais para acompanhar o entendimento sobre o assunto pelo país!

Um comentário:

  1. 68% das causas de divórcio se deve a infidelidade - Quando o sentimento de um dos cônjuges não é forte o suficiente ou as relações entre o casal não são mais satisfatórias, pode acontecer que a pessoa procure alguém do sexo oposto para satisfazer seu desejo sexual... Leia mais: http://programascelular.com.br/como-entender-o-divorcio-por-culpa/

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