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domingo, 5 de junho de 2011

A EMENDA CONSTITUCIONAL 66 DE 13 DE JULHO DE 2010 – O NOVO DIVÓRCIO NO BRASIL

Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 66 de 13 de julho de 2010, o divórcio no Brasil passou a ser um dos temas mais importantes na atualidade do Direito brasileiro. Podemos dizer que, o divórcio é hoje um dos temas mais relevantes dos últimos 10 anos no que se refere ao direito de família.

Isto porque, o tema divórcio não diz respeito somente aos operadores do direito como os advogados, juízes, promotores, notários e estudantes. O tema diz respeito a toda a sociedade.

Quantas vezes, desde o início de nossa vida acadêmica até os dias atuais como profissionais, não fomos questionados por alguém sobre o tema divórcio e, ainda, talvez, quantos de nós já tenha até mesmo vivenciado a questão.

Porém, para que possamos compreender a Emenda Constitucional 66/10, é preciso que tenhamos uma noção do Direito de família no Brasil e não apenas apontar as alterações constitucionais. É importante falarmos sobre as grandes mudanças do direito de família em nosso ordenamento jurídico.

Iniciamos tomando por base o Código Civil de 1.916, também chamado de Código Beviláqua, ressaltando que a maior crítica que se fez em relação ao Código Civil de 1916 foi a de que ele já nasceu velho em alguns aspectos. O próprio Clóvis Beviláqua dizia que foi injusto o que o Congresso da época fez com as mulheres. Ele ponderava que, o casamento que é uma forma de dignificação jurídica da mulher, degradou-a juridicamente.

Para Beviláqua, o Código Civil de 1916 não era tão arcaico no que tange a pessoa da mulher e dos filhos. Porém, o texto aprovado foi calcado num conceito relacionado com o casamento da época.

A noção de família no início do século XX era de uma família baseada somente na noção de casamento. Há 40 anos, ou, até menos, falava-se em família legítima ou ilegítima e esse rótulo era dimensionado de acordo com a existência ou não do casamento.

Logo, isso demonstra a importância do casamento na história de nosso Direito. O renomado jurista português Guilherme de Oliveira, que teve grande influência na Europa, dizia que durante muito tempo o casamento foi um rótulo que legitimava a família. Só haveria família para o casamento e só haveria família no casamento.

Ocorre que, no decorrer do século, o direito passou por muitas transformações e passamos pela mais rápida mudança que se processou na humanidade em 100 anos, notadamente, no que se refere à noção de família, por conta de uma revolução cultural que se processou no Brasil pela justa ascensão do papel da mulher na sociedade.

Assim, podemos apontar como marco da modificação do direito de família em nosso país a Constituição Federal de 1988.

O artigo 226 da CF/88 considera como família aquela advinda do casamento, da união estável e do núcleo monoparental (que é aquele formado por um dos pais e sua prole).

Logo, temos a partir da mudança constitucional de 1988 um sistema mais avançado, que reconhece como família não apenas o casamento como outrora se afirmava.

Nesse passo, os doutrinadores mais modernos tais como Paulo Lobo, Edson Faquim e Rodrigo da Cunha Pereira, afirmam que nosso sistema constitucional é um sistema aberto e inclusivo de normas, pois, apesar de nossa Constituição fazer menção ao casamento, a união estável e ao núcleo monoparental, não proíbe outras formas de arranjo familiar.

Imaginem uma família onde o irmão mais velho, durante toda sua vida, criou o irmão mais novo em razão da perda dos pais. Não teria esse irmão mais velho uma família com o mais novo? E ainda, uma madrinha, a famosa dinda, que criou com todo o amor o afilhado, pela ausência dos pais. Não teria esta uma família com o afilhado?

Acreditamos ser improvável que os leitores digam que tais situações não configurem uma família. Por óbvio que formam famílias. E onde está esse tipo de família em nossa Constituição? Expressamente, não iremos encontrar nada, porque nosso sistema é aberto e sendo assim, além daqueles expressamente contidos em seu texto, a Carta Magna não discrimina e não veda outras formas de arranjos familiares em nossa sociedade.

Vivemos, portanto, uma era em que é preciso ver o conceito de família como um conceito aberto além de ser também um conceito sócio afetivo. Se pararmos para pensar sobre o que nossas famílias representam em nossas vidas podemos chegar a conclusão de que nenhum conceito será idêntico e que cada família é uma família.

O Professor Pablo Stolze Gagliano leciona que o melhor conceito que podemos ter em nossa sociedade de família é aquele que foi divulgado pela banda “Titãs” em sua música, quando diz: “Família, família, mamãe, papai, sobrinha.... família, família, vive junto todo dia, nunca perde essa mania”. (Composição: Arnaldo Antunes / Tony Bellotto)

Isso mostra claramente que o conceito de família deixou de ser fechado e técnico, para ser um conceito aberto e, sobretudo, sócio afetivo.

Família não é aquilo que o legislador diga que é família ou imponha numa norma conceitual. Família, num conceito moderno de Direito, é aquilo que a sociedade aceita como sendo família.

Logo, o casamento não é a única forma de família porque existem outros arranjos familiares que com ele convivem sem qualquer prejuízo a sociedade, ainda que, sem dúvida, o casamento tenha grande importância para a nossa vida.

E com isso não queremos dizer que o casamento não seja algo de enorme importância e relevância para a vida das pessoas. Queremos apenas que os reste claro que o casamento não tem uma superioridade hierárquica sobre qualquer outro tipo de instituto que se considere como família. O que ele possui é uma tradição de maior relevância para o Direito pela importância do instituto.

Consideramos na verdade, que em muitos casos, o casamento tende a melhorar a vida das pessoas, e claro, cada casamento é um casamento e tem sua história para contar.

Nesse sentido, é muito importante que saibamos que, embora a Emenda 66/10 facilite o “descasamento” ela não significa a banalização do casamento, como vem sendo afirmado por alguns doutrinadores durante e após sua promulgação.

Discordamos dessa afirmativa e compartilharemos com os leitores os motivos dessa discordância para que possam fazer suas próprias reflexões, deixando claro ainda que nada disso tem a ver com religião, apesar de nossa crença no Pai celestial. Respeitamos, acima de tudo, todas as formas de religião.

Porém, temos que encarar e refletir a Emenda Constitucional com outros olhos. Quando se trata de divórcio, não podemos discorrer sobre o assunto pelo viés da religião.

É preciso uma postura crítica e sensível do tema para que possamos concluir que a Emenda Constitucional 66/10 não banaliza o casamento. Na verdade, o que banaliza o casamento é a falta de respeito que muitos maridos tem por suas esposas e vice versa.

Para compreender melhor a Emenda Constitucional é preciso compreender como estava nosso direito antes de sua promulgação e sua entrada em vigor.

O §6º do art. 226 da Constituição Federal dispunha que:

§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Façamos uma breve revisão do assunto, pois será importante para entendermos o contexto.

Primeiramente, surgiu no Brasil o direito a chamada separação judicial, também chamada na época de desquite.

Segundo nos lembra o Prof. Pablo Stolze, Silvio Rodrigues dizia que, na época, usar o termo desquite era melhor do que falar em separação, porque, quando se falava em desquite, todos sabiam que se tratava da separação do casal. Mas, quando o termo passou a ser separação, a primeira pergunta que se fazia era se o casal estava separado “no papel”, porque a palavra remetia a este problema. O que se queria saber era se a separação era judicial ou de fato.

O fato é que o Código Civil de 1916 admitia a separação judicial que não resolve o problema do casal cujo casamento está com o afeto falido, pois, apenas dissolve a sociedade conjugal.

Assim, quando o casal se separa, a sociedade entre eles está desfeita. Em outras palavras, para sermos bastante objetivos na explanação, significa que alguns deveres do casamento estão desfeitos, tais como fidelidade e coabitação. Mas, a partilha de bens, por exemplo, pode não acontecer nesse momento.

Logo, a questão principal não é resolvida porque quando o casal não está bem quer dissolver o vínculo matrimonial por completo, e a separação judicial não resolve esse problema. Por isso, os casais separados não tinham mais dever de fidelidade, de coabitação, mas, ainda estavam unidos pelo vínculo do matrimônio.

Quantos de nós, durante o tempo de trabalho com o direito, podemos acompanhar o sofrimento de quem teve o casamento falido e que desejam dissolver o vínculo e não conseguem porque a separação judicial não resolve o problema, pois é mero remédio de eficácia contida e em muitos casos de eficácia limitada, porque não dissolve o vínculo, o que só pode se dar com o divórcio ou, pela morte de um dos cônjuges.

Assim, de acordo com a lei, antes da Emenda 66/10, tínhamos que:

- O casal só poderia divorciar-se se já fosse separado judicialmente por mais de um ano (divórcio indireto) ou após dois longos anos de separação de fato (divórcio direto).

E quando nos perguntavam se era fácil divorciar, já sabemos que a resposta não agradava. Logo, para se divorciar no Brasil não era fácil, pois deveriam ser cumpridas as exigências e prazos de lei para tanto.

Nesse contexto, questionamos: Essa duplicidade de atos – separação e divórcio – é mesmo necessária? Será que quando se percebe que o casamento não está bem, que a falta de afeto se revela verdadeira, é necessária a duplicidade de atos para por fim ao relacionamento, desfazendo o vínculo matrimonial?

Para ilustrar o contexto, citaremos, a exemplo do Prof. Pablo Stolze Gagliano, uma cena extraída do livro “O contrato de casamento”, de Stephen Kenitz. Um jovem vai se casar e está muito ansioso, entusiasmado, porque o noivado é fase que encanta. Encontra então um colega e diz a este que vai se casar e que gostaria de compartilhar sua felicidade. O colega, amargurado da vida, provavelmente já tendo passado por uma decepção, lhe diz: - Tu vais mesmo se casar? O rapaz responde que sim. O colega então lhe pergunta: - Tu já meditaste sobre o Código Civil? Tu vais colocar teus pés naquele lamaçal que é a escola do direito e vai realmente se casar? O noivo então, dá ao colega uma reposta que é a mais bonita que se podia esperar: “Meu caro, os homens sempre são assim, os seres humanos. Diante dos primeiros sofrimentos da vida que encaram, tendem sempre a atribuir a causa ao próximo e nunca a si mesmos. O problema não é o casamento. O problema é o próprio homem”.

Logo, o que se vê não é uma crise no casamento, mas, sim, uma crise da sociedade, pela falta de sensibilidade filosófica e espiritual dos homens, o que faz com que as coisas hoje sejam diferentes do que era há 100 anos, quando não se admitia o divórcio no Brasil sobre o palio da estabilidade do casamento (O divórcio só foi admitido em 1977, por meio da EC que culminou na lei 6.515/77).

O fato é que hoje muitos casamentos não dão certo pela falta de afeto, desestruturados pela intolerância e falta de amor.

Porém, de qualquer forma, seja por qual motivo for o casamento não pode significar amarras nas vidas das pessoas que pretendam seguir novos projetos de vida.

Um dado importante que ilustra o que estamos comentando refere-se a uma pesquisa feita pelo IBGE, no período de 30 anos, desde que a lei do divórcio entrou em vigor no Brasil. Vejam a necessidade da facilitação do divórcio no país.

Segundo a pesquisa, a taxa de divórcios no Brasil subiu 200% entre 1984 e 2007. De 0,46 divórcios para cada grupo de 1.000 habitantes, passou para 1,49 para o mesmo grupo.

Diante deste quadro, vamos refazer a pergunta acima mencionada: será que é mesmo necessária a duplicidade de procedimentos para o fim do vínculo matrimonial?

Nós operadores do direito, sabemos que a decisão de por fim ao casamento não pode ser do Estado e sim do próprio casal. Essa obrigação de separar-se antes do divórcio só acabava por piorar ainda mais a vida das pessoas.

Portanto, antes da Emenda Constitucional 66/10, se o homem e a mulher decidiam por fim ao casamento, consensualmente, alegando falta de amor, qual o caminho deveriam seguir para obter em definitivo o fim do vínculo matrimonial?

O casal teria que separar-se judicialmente, caso já estivessem casados a pelo menos um ano. Após um ano do transito em julgado da sentença da separação é que poderão requerer o divórcio. Ou ainda, teriam que aguardar casados por mais de dois anos, separados de fato, para poder requerer o divórcio direto.

Além disso, para o caso de uma separação litigiosa, teríamos ainda que lhes ressaltar que deveria haver uma fundamentação culposa para a separação.

Nessa esteira, acreditamos que assim como ocorre conosco, a prática muda nossa visão teórica, principalmente no que tange a discussão de culpa, instituto que possui muitos defensores em nosso ordenamento jurídico (conduta desonrosa, maus tratos, sevícia, etc).

Voltamos então a refletir: será que é justo fazer com que o casal leve ao Judiciário um fundamento culposo para que possa separar-se? Que poder divino tem o juiz (que sabemos não é Deus) em sua limitação humana de voltar ao passado e descobrir com clareza quem teve culpa pelo fim de um casamento?

Porém caros amigos era este o cenário que vivíamos antes da promulgação da Emenda Constitucional 66/10. Mas as luzes das mudanças no campo do divórcio, mais especificamente, no campo da discussão da culpa já estavam começando a se acender.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 467.184/SP (17.02.2003), cujo relator foi o Ministro Rui Rosado de Aguiar, em um belíssimo acórdão aparentemente contra legem, já que o direito da época exigia discussão de culpa para discutir a separação, decidiu que para que o casal se separe tem que se considerar o desamor entre eles e não a culpa.

Vamos a ementa do julgado:

SEPARAÇÃO. Ação e reconvenção. Improcedência de ambos os pedidos. Possibilidade da decretação da separação. Evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e manifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquer das partes. Recurso conhecido e provido em parte.



Reflitamos: realmente não há sentido discutir a culpa em uma separação litigiosa para ficar tentando descobrir de quem é a culpa pelo fim do casamento.

Será que é possível dizer que a culpa é de um só? E poderia o juiz numa tarefa metafísica e com uma onisciência que nenhum ser humano possui, dizer de quem é a culpa, que servia até mesmo para fixar algumas conseqüências na sentença, tal qual a fixação de alimentos? (O Código Civil dispõe que o culpado pagará alimentos ao inocente).

Nesse sentido é que o mencionado julgado do STF se mostra como um marco da jurisprudência brasileira, pois, o Ministro se convenceu de que o fundamento para a separação seria o desamor e não a culpa.

E o que há de atual na EC 66/10? O que ela trouxe de novo em nosso sistema que contava com uma duplicidade desnecessária entre separação e divórcio? Porque não facilitar a vida das pessoas e instituir no Brasil apenas o divórcio? Porque se criar um sistema de repetição de discussão de um problema que só interessa ao próprio casal?

Os colegas já perceberam o grau de tensão que existe na sala quando estamos em uma audiência de família? Já saíram de uma audiência de separação até com o ombro pesado?

O Dr. Paulo Stolze, juiz de Direito na Bahia, de uma vara única, chegou a afirmar que, é mais tensa uma audiência de família do que uma audiência criminal. Diz o mesmo que nas audiências de família o clima é de mais raiva e tensão do que nos julgamentos de réus presos. Ele notou que, até mesmo as cadeiras não ficam frente a frente e sim, voltadas para o juiz. As partes sequer se olham.

Sendo assim, voltemos a reflexão: que sentido há de se estabelecer no país uma duplicidade de atos que só faz com que as pessoas sofram duas vezes para conseguir seu divórcio, ou ter que aguardar o longo período de mais de dois anos para conseguir o divórcio direto?

Pensando justamente nessa duplicidade dispensável, O IBDFAM, na pessoa do Prof. Paulo Luis Neto Lobo, deu todo o suporte ao Congresso, desde a propositura da PEC pelo deputado Antonio Carlos Viscaia e depois a propositura pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro, que foi quem acompanhou e lutou até o final do projeto, que recebeu o nome de PEC do Divórcio ou “PEC do Amor”.

O Senador Demóstenes Torres, que muito se pronunciou sobre o tema, denomina a PEC como PEC do amor, pela revolução que ela desencadeou em nosso país.

Apesar da existência de interpretações contrárias, a convicção acadêmica e da doutrina moderna (citando aqui Paulo Lobo, Maria Berenice Dias, Flavio Tartuce, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, entre outros) é de que a EC 66/10 revolucionou o sistema porque trouxe duas grandes novidades para o sistema, da qual trataremos em breve.

Antes de falar das duas inovações, precisamos contextualizar a Emenda Constitucional, falando um pouco da PEC 28. Seu histórico revela uma tramitação demorada, com muita discussão e risco até mesmo de não ser aprovada.


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